Conto da semana

Eu e o prato azul

Andava pelas ruas de Ceilândia, quando me deparei com uma fila enorme. Por curiosidade entrei no final. Brasileiro que se preze adora filas. De preferência que seja grande e tediosa. Não esperava por saber o que aquelas pessoas faziam ali, pois ela dava voltas e voltas no quarteirão. Andava a passos curtos e com o passar das horas foi que percebi que aquela fila era para doação de sopa a pessoas carentes.

A mulher que servia aos famintos não usava concha e sim uma espécie de pá, daquelas para cavar buracos. Enquanto se aproximava a minha vez, observava a maneira como os pobres eram servidos. A mulher jogava um líquido meio esverdeado no prato dos indigentes como se estivesse jogando terra numa cova. Quando estava bem próximo, recebi um prato de plástico raso e azul e disse:

- Senhora, não precisa caprichar tá bem!

A mulher nem me olhou, simplesmente jogou o líquido verde no prato azul e solicitou o próximo. A sopa transbordava, caindo em meus pés. Andei cautelosamente até me acomodar no chão, com as outras pessoas. Olhei aquela coisa verde e tive a impressão que ela estava sorrindo pra mim. Gente, aquilo parecia lavagem pra porcos! Sinceramente senti nojo, mas para não demonstrar indiferença levei uma colher a boca. De imediato meu estômago deu um ronco. Olhei pro lado e vi algumas crianças tomando a sopa sem colher; botavam a beira do prato na boca e entornavam. Insisti com uma outra colherada, mas meu estômago não resistiu, roncou de novo e mais alto. De repente, me deu uma suadeira e um nó no intestino. Tive de sair correndo pra achar uma privada, foi terrível.

Entre os minutos que permaneci no banheiro, veio-me a cabeça o nome de um figura, o imperador romano Caio Otávio Augusto, que governou Roma com a política do pão e circo, no entanto era admirado por toda a plebe.

Como num estalo, essa idéia bateu no meu trapézio enquanto permanecia ali, na forma vital, fazendo as necessidades básicas à força.

Essa talvez seria uma condição de que os políticos brasileiros se baseiam na história para governar e que nossos cidadãos são contempladores dessa política; e também de filas.

Novembro de 2001

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